Mundo - Aventura de 4 amigos no Brasil
- blogidentidade
- 5 de set. de 2015
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No dia 22 de Agosto de 2008, quatro bons amigos embarcavam para o Brasil numas férias de 15 dias, mesmo depois do retrocesso do avião no Aeroporto da Portela em Lisboa, pois uma porta do avião precisava de manutenção. A garantia estava dada, íamos fazer a viagem de amigos de uma vida, planeada com 8 meses de antecedência.
Tudo começava mal, o transfer estava prometido na chegada a Fortaleze mas a realidade é que ele nunca apareceu. O ambiente no aeroporto era assustador, mendigos por todo o lado, uma realidade desconhecida com tanta pobreza junta. A solução encontrada foi alugar um taxi e eu, o Bruno Barbosa, o Pedro Pinto e o João Luis (Jó) arrancamos na aventura. Não obstante daquilo que acontecia, fomos conversando com o taxista que estranhamente não parava nos sinais vermelhos, alegava que era pela falta de segurança naquele estado (Como em quase todo o Brasil) e que tinha autorização da policia para apenas abrandar mas nunca parar num semáforo vermelho. Começava a aventura...
O Hotel era situado na Praia do futuro, foram lá assassinados 6 empresários portugueses em 2001 e no primeiro dia de praia, fomos abordados por vários tipos de pessoas oriundas de favelas. Uns vendiam gelados, outros vendiam tatuagens, outros canecas e quase todos droga. Era constragedor o ambiente, não podiamos estar descansados na espreguiçadeira 10 minutos seguidos, a oferta de serviços era imensa, apesar de existir policia federal na praia o dia todo. A água tinha uma óptima temperatura mas quem lá fosse parar a pensar que encontraria uma água azul turquesa, estava enganado.
Decidimos fazer uma piscina, era apelativa porque era um ambiente tranquilo e era impressionante a quantidade de acompanhantes de luxo do sexo feminino com possiveis empresários brasileiros, punha-nos a pensar sobre uma realidade que conheciamos apenas à distância. O ténis a pares era uma rotina diária, assim como as lagostas na praia sempre acompanhados com a lima. Os vendedores traziam-nas vivas em baldes, nós escolhiamos e eles íam cozinhá-las, depois aparecia-nos cozinhadas com rodelas de lima, foram as melhores lagostas que comi até hoje.
Era altura de conhecer Fortaleza à noite. Mal saímos do hotel, os seguranças correram atrás de nós, diziam que não poderiamos caminhar nas redondezas, estavamos rodeados de favelas e o perigo era extremo. Começamos a pedir conselhos sobre onde jantar, aconselharam-nos o "Miguel da picanha", não poderiam ter aconselhado tão bom restaurante para o preço que praticavam. Um dos dias variamos a escolha e fomos ao restaurante "Sal e Brasa", este sim, o melhor restaurante de grelhados que conheci até hoje. Atendimento top e apresentação de 31 tipos de carnes diferentes, neles estavam incluidos 6 tipos de picanha (Eu só conhecia um, sempre que vou a um restaurante em Portugal só existe 1 tipo de picanha), saímos de lá com uma boa "pança" apesar de um preço muito elevado face aos outros, valeu mesmo a pena.
Começamos a criar laços, conhecemos um português, ex empresário e residente em Fortaleza, o seu nome era Janeco. Queriamos conhecer algo novo, queriamos conhecer a praia de Canoa Quebrada, foi ele quem nos levou durante km's a fio até ao local. Alugamos um buggy, nunca esquecerei este passeio, paramos no meio das dunas e admiramos a paisagem. De um lado, uma enorme vegetação verde, do outro um bonito mar, era deslumbrante a paragem junto de um jumento. Estavamos prontos para fazer "Scu-Bunda", viamos ao fundo um charco de água no meio da areia e a ideia era sentarmos o rabo numa tábua e deslizarmos pela areia até chegar ao charco!
Depois de um dia diferente, em que o Janeco teve uma alforreca agarrada ao braço, voltamos à praia do Futuro. Mais um dia normal de praia, a rotina era sempre a mesma, vinha um rapaz de 5 anos todas as manhãs limpar a espreguiçadeira de cada um, vivia na favela por trás do hotel, todos os dias ajudava a mãe de manhã e à tarde ía para a escola. Era impossivel ficar indiferente a tanta pobreza, eu e o Jó decidimos levá-lo nessa noite à feirinha localizada no centro, para lhe oferecermos uns sapatos, ele só tinha uns chinelos, nada mais. A mãe autorizou-o a vir connosco, por incrivel que pareça, no meio de mais de uma centena de barracas de calções e biquinis, não havia um único local a vender sapatos. O desalento da criança era enorme, no entanto, arranjamos uma solução que não foi para os pés mas para algo que ele queria mais, a boca. Levamos o rapaz ao Macdonalds para jantar, comeu quanto bastava, uma alegria na sua cara e outra satisfação na nossa. Esta é aquela fase de realização por teres feito alguém feliz por breves momentos.
Num dia normal de praia, eramos convidados constantemente para jogar futebol, havia sempre um duelo entre os tugas e os brasucas, todos oriundos das favelas, maioritariamente miudos, jogavam futebol à brava e em 2 minutos faziam um campo de futebol com balizas amoviveis feitas com paus, que categoria! Conversavamos com os vendedores, traziamos para eles tshirts que já não queriamos, ou os sabonetes dos quartos com ofertas diárias, para eles era uma grande oferta. Eram pobres, mas não queriam ficar a dever, além de gratidão ofereciam coisas artesanais que faziam diariamente, ainda hoje as guardo com carinho.
A oferta de prostituição estava presente em todos os bares que entravamos, o assédio era total e mesmo na praia que frequentavamos era uma constante. Começamos na feirinha a comprar lembranças, biquinis para a Diana, havaianas para quem pedia, telas para mim, lembro-me de fazer contas e ter gasto cerca de 300€ (Moeda portuguesa) em prendas, era muito para um Brasil daquela época. A selecção feminina de voleibol do Brasil venceu os jogos Olimpicos dois dias antes e estava a chegar ao nosso hotel, fantástico, o hotel todo a aplaudir.
A realidade é que tinha momentos incriveis para contar, mas no ultimo dia tive 2 grandes momentos marcantes. Acordamos, bebemos um óptimo sumo de laranja natural e todos foram para a praia e para o mar, excepto eu. Estava com uma dor de cabeça tremenda, fiquei debaixo de uma palhota à sombra, veio ter comigo um rapaz de cor negra de 29 anos, era um dos vendedores de gelados, anteriormente tinha-o "tentado ensinar a vender gelados aos estrangeiros", achava eu que ele tinha pouco jeito e ao meu jeito, numa de inspiração lá fui eu vender 2 gelados a franceses e ele riu-se com a situação. Começamos a conversar e ele abriu o jogo, era fugitivo de uma favela a 200kms, esteve preso por matar uma pessoa e por ter deixado outra numa cadeira de rodas com um tiro nas costas. Comecei a ficar boquiaberto, nem queria acreditar no que ele me contava, esteve prestes a morrer esganado, tinha as marcas no pescoço, do cordão de outro que outrora transportava. Ficou sem o ouro, foi obrigado a fugir da favela pois os dias estavam contados. Os familiares do homem que ele matou em tempos, queriam ajustar contas e foi obrigado a fugir.
Era hora de regressar a Portugal. Por termos sido tão generosos, tinhamos mais de 20 pessoas que vieram das favelas despedirem-se de nós, pegamos nas crianças ao colo e recebemos abraços calorosos. O rapaz de 5 anos ficou sem sapatos, mas ficou com dinheiro para comprar uns, espero que hoje esteja bem.
Agradeço aos meus amigos por termos vivido momentos mágicos, juntos.
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