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Tu partiste... Mas nunca partirás de mim.

Desde o dia 29 de Julho que não conseguia nem me apetecia falar sobre ti ou sobre nós. Escolheste o dia 29 de Julho para ires espalhar amor para outro local bem longe de mim, não percebi porque não me quiseste continuar a mostrar o caminho que devo sempre seguir mas compreendo que se calhar já me ensinaste tudo e por isso, partiste. Eu achei nesse dia que tu eras tão só minha que nem revelei a tua perda à maioria das pessoas que me rodeiam.




Eu já te valorizava e muito, antes de teres tido um AVC há 5 anos atrás... Afinal foste tu que me deste o que é mais importante na minha vida, a verdadeira educação. Mas desde que tiveste um AVC, eu passei a olhar para o Mundo de uma maneira muito peculiar. Era contigo que eu vivia todos os dias, era contigo que eu partilhava tudo, eras tu que me fazias o ovo estrelado ou o franguinho estufado, eras tu que me defendias na escola, eras tu que trabalhavas sempre com um sorriso no rosto e me demonstraste qual o caminho da seriedade, eras tu que me ensinavas a poupar, eras tu que me levavas para onde tu ías, foste tu que substituiste durante 4 meses os meus pais, eras tu a verdadeira mulher de garra que eu conhecia. Eu, a par dos meus pais eramos sem dúvida quem melhor te conheciam, foi uma vida contigo, uma vida que ficou mais pobre, mas deste-nos uma lição do tamanho do Mundo..


Eu sabia que esse dia chegaria, consciencializei-me mais cedo do que toda a gente. Mal tiveste o AVC, eu apercebi-me de que lá por já ter feito muito por ti (tu muito mais por mim), começava uma etapa de "dar tudo por ti e para ti", pois poderia ser numa contagem decrescente ainda mais rápida. Nos últimos 5 anos, dei-te tudo o que tinha e podia, proporcionei-te momentos de felicidade que só nós sentiamos. Coloquei-te na minha prioridade número 1, na maioria das vezes, até à frente da mulher com quem casei. A Diana tinha consciência disso, sabia que todos os dias tinha de falar contigo ou estar contigo e todos os fins-de-semana sabia que te ía buscar ao lar para vires para casa, eu sabia que o meu sábado era todo para ti, sempre a ajudar a minha mãe e o meu pai. Eu sabia que no final, iria sentir o que sinto, a tranquilidade que dinheiro nenhum do Mundo paga, a sensação de que fiz tudo o que podia e devia por ti.


A minha consciência tem uma tranquilidade inabalável, percebi que se fizer o que é certo, ganho uma força inacreditável. Olhei durante estes 5 anos para os meus pais com alguma tristeza, deixaram de viver um para o outro, passaram a viver só para ti. Estavam praticamente sozinhos e desamparados, prometi a mim mesmo que seria sempre o amparo deles por tudo aquilo que eles me deram e que por eles farei tudo o que estiver ao meu alcance, das formas mais extremas possiveis que possam existir. Faziam tudo aquilo que podiam e conseguiram fazer também o que não podiam, por ti. Porquê? Porque foste a parte mais importante das nossas vidas. Ouvir a tua nora, a minha mãe, dizer que te amava e que gostava tanto de ti, mesmo quando era necessário mudar-te a fralda na pior posição possivel, era no minimo, gratificante. O meu pai adorava brincar contigo, cortar-te as unhas, mimar-te e até enchia os olhos de lágrimas de felicidade sempre que tu dizias que em tal dia não te doía nada, nem a perna! Não tenho dúvidas que foste a pessoa que o meu pai mais gostou até hoje, atrevo-me a dizer, acima de mim e da minha mãe. Foram 58 anos do meu pai a viver contigo, tu que pediste que ele nunca te abandonasse nem nunca saisse da mesma casa onde viviamos. Ele tomou conta de ti até ao fim, ele deu tudo por ti, ele passou noites no hospital sempre ao teu lado. Ensinaste os meus pais a amar-te de uma forma incrivel, do teu jeito nem sempre fácil. Eles com as acções deles, sem falarem nem explicarem nada, demonstraram-me o que é cuidar de alguém da melhor forma possivel. Tenho imensos videos nossos, da nossa pequena familia, dos momentos que vivemos principalmente depois de teres um AVC.


Mas muita gente compreenderá o que é andar 24h por dia preocupado com alguém? Carregar esse alguém constantemente como eu te carreguei ainda da ultima vez que tiveste alta no hospital de Santo Tirso? Tu com um AVC tinhas melhor memória e falavas melhor do que a maioria das pessoas de 40 ou 50 anos, era impressionante! Que orgulho e que lição de vida tu me deste!

Hoje sou capaz de dizer que ninguém me dá uma lição sobre como cuidar verdadeiramente de uma avó, eram infindáveis as pessoas que me viam a cuidar de ti e me reconheciam isso. A última vez que tu falaste tão bem de mim a alguém, foi à tua cabeleireira, no inicio de Julho a dizer que eu era o teu querido e que gostavas muito de mim. Guardo toda essa expressão, assim como a pergunta "Estou bonita? Fica-me bem?", isto no fim dela te cortar o cabelo.


Eu costumo dizer que todos temos algo a aprender com qualquer pessoa, eu contigo aprendi mesmo muitas coisas. A prenda que teve mais valor para mim de todas as que me ofereceste, era a metralhadora que me deste quando eu tinha cerca de 7 anos, ela permitiu-me ter uma visão diferente da economia e das poupanças hoje-em-dia. Lembro-me que na altura disseste que ela te tinha custado 1 dia de trabalho. Hoje em dia, dou muito valor aquilo que ganho num dia de trabalho e sei como gerir o dinheiro que ganho da melhor maneira. Há uma parte que é para gastar, outra que é para poupar, foi assim que me ensinaste.


Eu podia escrever todos os dias sobre momentos vividos contigo, até me estou a lembrar de quando jogavamos cartas, teria eu 8 ou 9 anos. Eu guardo muitas coisas para mim, mas o mais importante é eu ter-te dado amor e carinho enquanto eras viva, tudo aquilo que podia por ti. Digo sempre a toda a gente que fazer e demonstrar carinho, é quando as pessoas estão vivas. Depois da morte, é tudo uma fachada! Eu sinto-me muito bem, porque se um dia tiver um neto, gostava que ele tentasse fazer por mim, algo aproximado daquilo que fiz por ti. Nós devemos ser o exemplo que gostavamos de ver no Mundo, eu tento sê-lo. Se calhar é por isso que com 31 anos já fui muito mais feliz e já vivi mais intensamente do que muitas pessoas com 50, 60, 70... Não me canso de dizer aos meus pais e à Diana que se eu morrer de um dia para o outro, que não se preocupem que eu já fui feliz para caraças!!! Vivi tudo de forma intensa e só para o meu bem, nunca para o mal de ninguém.


A única coisa que me resta na nossa estreita ligação de afecto, são as saudades que sinto por ti. Apenas as saudades, porque o resto vivi tudo contigo, sem qualquer arrependimento, sem a sensação de que podia ter sido melhor porque não podia. Até para a Disneyland em Paris nós fomos juntos! Até nas piscinas de água turva/férrea dos Açores andamos a brincar! Até cumpriste o meu maior sonho para o dia de casamento... Que era levares-me ao altar no dia 26 de Julho! Aliás, também foste a primeira pessoa a saber que eu ía casar! Choravas na igreja que nem uma menina, devias ter vergonha :) com 82 anos e tão comovida até parece que te ía fugir quando eras a minha prioridade! Dizias que a Diana era tua neta, nunca te ouvi falar menos bem para ela, parecia mesmo uma verdadeira neta tua... Olha que ela ensinou-me muito a amar ainda mais uma avó, pois ela amava as dela como ninguém!


Resta-me escrever este último desabafo repleto de todas estas saudades que sinto por ti, mas não te preocupes porque são só saudades e é tudo natural. Tenho a mesma alegria de sempre, faço tudo na vida da mesma forma, nunca esquecendo o papel importante de respeito, da dignidade e da amizade por quem nos merece. Acredita que segui em frente com a tua partida e aceitei-a porque na última semana tinhas dores e isso eu não queria vivenciar, Deus levou-te de barriga cheia e a descansar. As últimas palavras que me deste, esavas deitada na maca na ambulância e com a tua rouquidão disseste que estavas bem e que só tinhas fome, estavas a ter alta do hospital na sexta-feira dia 28 de Julho numa visita fugaz com falta de ar. Sempre que me quiser rir, lembro-me da ida ao Estádio da luz, no ano de mais um campeonato do nosso Benfica, passaste o jogo a insultar o fiscal de linha! Ganhamos 4-0 ao Penafiel, foi a viagem da nossa vida, até a fralda mudamos na Estação de serviço, pareciamos uma claque! E nos anos seguintes, continuamos a sair no carro com as bandeiras para festejar mais campeonatos, o 35 e o 36! Como gostavas tu de ir até à casa nova dos meus pais em Gouveia... Como eram bonitos os nossos passeios e como foi espetacular o meu ultimo aniversário na neve, sempre contigo ao lado no carro de óculos de sol e a bela festa que fizemos com a lareira acesa na casa que todos sonhamos numa aldeia no meio da neve.


Deste-me tudo, eu dei-te tudo, foste o meu verdadeiro exemplo e eu ainda vou tentar perceber como conseguiste ser minha avó, minha mãe e minha melhor amiga. O meu sucesso na vida pessoal e profissional é fruto da educação que me deste, acredita! As lágrimas que derramo são apenas de saudade, não há um dia que não pense em ti e isso é o melhor de mim. Eu pus tudo o que tinha em ti, alguém que realmente amei, é asim que tem de ser, pormos tudo em quem realmente amamos e no fim... Fica a marca da felicidade! Eras 1 das 4 pernas da minha cadeira, agora ela só tem 3, o meu pai, a minha mãe e a Diana... Na realidade eles deslocaram as pernas e agora sento-me num tripé!


Estou muito tranquilo e a verdade é que extravasei de felicidade enquanto cá estiveste! Deixo-te com uma frase importante, a dedicatoria da minha mãe no dia do teu funeral... "O Mar falou-me da sua grandeza, dos Impérios que o fomentam, das Cidades que o habitam, das Forças que o agitam...Eu, falei-lhe desta sogra.. e Ele... sentiu-se pequeno"!!


© 2015 Rogério Alves - Identidade

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